A simbólica goleada da afirmação brasileira

Tite corre para o abraço: goleada para esquecer o 7 a 1
O primeiro efeito Era Tite é o fim do 7 a 1 como assunto principal quando se fala em Seleção. Tem sido assim desde as primeiras vitórias do novo treinador, diante de Equador e Colômbia, quando o pessimismo em relação ao futuro do Brasil como time deu lugar à esperança. As vitórias sobre as fracas Bolívia e Venezuela deram à equipe canarinha a liderança das eliminatórias, e ajudaram ainda mais a trazer confiança. Mas faltava o grande jogo para confirmar a recuperação da autoestima de todos. Golear a Argentina no Mineirão, o palco da tragédia de julho de 2014, não poderia ser mais simbólico.

Discordo de quem achou o placar muito modesto. Foi barato, mas também poderia ter sido pior. Afinal, se o Brasil realmente jogou no segundo tempo o suficiente para fazer talvez 5 a 0, no primeiro claramente não produziu o bastante para ir ao intervalo com a vantagem de dois gols, exagerada pelo equilíbrio do jogo. Edgardo Bauza montou um time com personalidade suficiente para deter mais de 60% da posse de bola, ocupar o campo brasileiro e criar, antes do golaço de Philippe Coutinho, a melhor chance do jogo até então: um balaço de Biglia no ângulo, salvo por enorme defesa de Alisson.

O fato é que quem esperava uma Argentina recuada se surpreendeu. A comemoração desenfreada de Tite no gol de Paulinho é diretamente proporcional à sua expressão de preocupação durante todo o primeiro tempo. Bauza posicionou seu time de modo a anular o Brasil, sim, mas não em seu campo de defesa: com o adiantamento dos zagueiros e de Mascherano, os argentinos ocuparam o campo ofensivo, se defenderam quase sempre com a bola, e isso impedia a Seleção de jogar. O grande pecado da estratégia foi a falta de um articulador que pusesse a bola no chão e fizesse o time ter penetração. Pérez e Di María jogaram abertos demais; Messi, adiantado demais.

Contra-atacando dentro de seu próprio estádio, o Brasil teve seu maior mérito nos 45 minutos iniciais na eficiência. Especulando a partir de erros argentinos, abriu uma vantagem considerável aproveitando as duas chances que teve, a partir de jogadas individuais brilhantes - primeiro, um lindo passe de Neymar para Coutinho que quebrou toda a defesa argentina, com excepcional execução e conclusão do jogador do Liverpool; a seguir, numa jogada pessoal e de enorme visão de jogo de Gabriel Jesus, que deixou o craque do Barça livre para concluir com grande categoria. Mas até nisso há mérito de Tite: Jesus fazendo o pivô e os três homens de frente jogando juntos, perto um do outro, são iniciativas proposta pelo treinador da Seleção desde que assumiu o cargo.

Outro grande mérito de Tite na goleada foi a autocrítica do intervalo. Mesmo vencendo o jogo por 2 a 0, corrigiu problemas no vestiário que fizeram a Seleção voltar com outra postura para o segundo tempo. É claro que a Argentina voltou mais aberta, mas o Brasil não deixou os rivais imporem a categoria de Agüero, agora unido a Messi, Di María e Higuaín no setor de frente. Mas, embora fosse preciso mesmo agredir em busca do empate, Bauza mexeu mal: voltou sem Enzo Pérez, um dos mais lúcidos da equipe no primeiro tempo, quando poderia muito bem ter sacado Di María ou Higuaín, bem mais apagados. A ânsia de ir para cima custou caro.

Com Neymar voando pela esquerda e Paulinho desbravando o meio com arrancadas que lembraram seus melhores tempos de Corinthians, veio o terceiro gol, e bem que poderiam ter vindo o quarto e o quinto. Aí sim, ficou barato. Teve olé, roda de bobinho, tramas envolventes e várias chances perdidas. Um verdadeiro pesadelo albiceleste.

Com 24 pontos, o Brasil abre oito da própria Argentina. Faltando sete rodadas para o fim das eliminatórias, está praticamente garantido, ao lado do Uruguai, no Mundial de 2018, com quase dois anos de antecedência. Um cenário completamente inesperado para quem, dois meses atrás, jogava a vida em Quito, fora da zona de classificação e com o moral seriamente abalado. Com Tite, em cinco jogos, foram cinco vitórias, 15 gols marcados e só 1 sofrido. A Seleção não virou a melhor, nem era a pior do mundo antes dele, mas a evolução é rápida, segura e inegável. A empolgação em excesso é sempre perigosa, mas uma vitória como a de ontem torna razoavelmente segura confiar que o time chegará forte à Copa do Mundo, bem mais do que chegou em 2010 ou 2014, por exemplo.

Já a Argentina chega para o duelo de terça, contra a Colômbia, pressionada como há 23 anos não ocorria numa eliminatória. Em crise profunda, vive o outro extremo da moeda: a euforia pela ótima Copa América Centenário deu lugar à depressão após a derrota na final do torneio para o Chile, a crise interna do futebol nacional e a derrocada na classificação. E Bauza nem pode reclamar de azar: a surpreendente derrota do Paraguai para o Peru, em casa, evitou que os hermanos caíssem para o 7º lugar na classificação. Ganhando terça, o time volta no mínimo para a repescagem. Mas ontem nem Messi foi suficiente - e com ele, a equipe tinha 100%, vale lembrar.
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Eliminatórias da Copa do Mundo 2018 - América do Sul - 11ª rodada
10/novembro/2016
BRASIL 3 x ARGENTINA 0
Local: Mineirão, Belo Horizonte (MG)
Árbitro: Julio Bascuñan (CHI)
Público: 53.490
Renda: R$ 12.726.250,50
Gols: Philippe Coutinho 24 e Neymar 45 do 1º; Paulinho 12 do 2º
Cartão amarelo: Fernandinho, Marcelo, Funes Mori, Otamendi e Biglia
BRASIL: Alisson (6,5), Daniel Alves (6), Marquinhos (6), Miranda (7,5) (Thiago Silva, 41 do 2º - sem nota) e Marcelo (6); Fernandinho (6,5), Paulinho (8) e Renato Augusto (6,5); Philippe Coutinho (7,5) (Douglas Costa, 39 do 2º - sem nota), Gabriel Jesus (7) (Firmino, 36 do 2º - sem nota) e Neymar (8,5). Técnico: Tite
ARGENTINA: Romero (5), Zabaleta (4), Otamendi (4,5), Funes Mori (4,5) e Más (5,5); Mascherano (5), Biglia (5,5), Pérez (5,5) (Agüero, intervalo - 4,5) e Di María (4,5) (Correa, 25 do 2º - 4,5); Messi (5) e Higuaín (4). Técnico: Edgardo Bauza

Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

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