A consagração da geração chilena (e o fim do timaço argentino?)

Messi cercado por chilenos, uma das imagens da decisão
Talvez Messi entre para a história da Seleção Argentina como Zico entrou para a do Brasil: o craque que não ganhou títulos. Talvez esta geração espetacular dos hermanos seja para eles o que a de 1982 foi para nós: o timaço que não levantou taças, embora tenha encantado o mundo pelo futebol que joga. São comparações imperfeitas, claro: Messi provavelmente é melhor que Zico, assim como o Brasil de 1982 provavelmente é melhor que a Argentina dos últimos anos. E, se a Copa do Mundo é certamente muito mais importante que a Copa América Centenário, a decepção argentina por tê-la perdido pelo segundo ano seguido nos pênaltis para o Chile é provavelmente igual à do Brasil por ter sido derrotado pela Itália naquela tarde de 34 anos atrás no Estádio Sarriá.

Porque tudo levava a crer que desta vez daria. A Argentina fez uma campanha impecável na Copa América: começou ganhando do próprio Chile na estreia, com autoridade, e a seguir enfiou quatro goleadas até chegar à final, uma com mais qualidade que a outra. Tinha sido assim em 2007, até chegar o modesto Brasil de Josué, Mineiro, Elano e Júlio Baptista no meio-campo e acabar com a festa. Mas desta vez seria diferente daquele ano, de 2004, de 2011, do ano passado, da Copa de 2014. O time estava encaixado demais para perder. Messi estava jogando demais para errar pênalti como Roberto Baggio nos mesmos Estados Unidos, em 1994.

O adversário, claro, era terrível. O Chile jogou com a personalidade de quem já era campeão do continente, mas não tinha a pressão de jogar em casa, como no ano passado. Ao contrário da Argentina, multicampeã, mas sem um título de expressão com sua seleção principal desde 1993. Mas a tranquilidade chilena nunca foi relaxamento: foi, apenas, menos pressão, o que é ótimo. A concentração foi máxima. O jogo foi sempre pegado: Heber Roberto Lopes, entre desnecessários trejeitos, caras e bocas, foi o personagem do primeiro tempo ao expulsar Díaz e Rojo e deixar os dois times com 10 homens.

Mesmo com 20 jogadores em vez de 22, a partida não ficou mais aberta. O que não significa que não tenha sido muito interessante, apesar do 0 a 0. Como protagonista das ações, a Argentina teve mais posse de bola e iniciativa, mas raramente prensou o Chile contra o seu próprio campo. Porque o time de Juan Antonio Pizzi é qualificadíssimo tecnicamente, muito bem formado taticamente, perigoso nas saídas em velocidade e tinha Arturo Vidal. Se sua participação em 2015 foi irregular, no bicampeonato ele foi o dono do time. Seu erro na decisão por pênaltis só não foi mais cruel que o de Messi porque sua seleção foi a vencedora da disputa.

Na prorrogação, o grande nome foi Javier Mascherano, jogador que talvez mereça até mais que Messi um título pela seleção, pela excelência constante de atuações com a camisa albiceleste. Se a Argentina dominou os 30 minutos extras, muito foi por conta de sua exuberante atuação e postura, trazendo o time para cima com um posicionamento adiantado, grande atitude e muita entrega. Nada muito diferente do que ele mesmo fez na última Copa do Mundo, quando foi o melhor volante do Mundial.

Bravo defende a cobrança de Biglia e deixa o Chile perto do bi
O calvário argentino parece interminável. Messi disse, talvez intempestivamente, que não defenderá mais a Seleção. Mas tantos outros já fizeram esse discurso e voltaram atrás - inclusive Maradona, que jogou o fim das eliminatórias e a Copa de 1994 quando ninguém mais esperava. A história do craque do Barça ainda não acabou com a camiseta argentina. A Copa da Rússia é uma chance de ouro para a seleção voltar a conquistar um grande título. Minha aposta, após esta verdadeira tragédia esportiva que abala os nossos vizinhos, é a de que Messi não se aposentará da seleção sem um título. Esta geração ainda vai conquistar uma taça.

Para o Chile, o título de ontem teve gosto semelhante ao da Eurocopa de 2000 para a França: foi a confirmação de que a equipe atual é realmente a melhor da história do país. Se em 1998 muitos diziam que o time de Zidane havia sido campeão mundial porque jogava em casa, o discurso foi deixado de lado dois anos depois, na Euro. Agora, a situação é análoga: o Chile atual é muito mais que um anfitrião competente. É o melhor Chile de sempre, um Chile que é bicampeão em um continente com três campeões mundiais, um Chile que enfia 7 a 0 no México, um Chile que supera duas vezes a Argentina em finais. Um Chile quase tão grande quanto a decepção argentina - porque nada supere o baixo astral argentino nesta segunda-feira.

Copa América Centenário 2016 - Final
ARGENTINA (0): Romero; Mercado, Otamendi, Funes Mori e Rojo; Mascherano, Biglia e Banega (Lamela); Messi, Higuaín (Agüero) e Di María (Kranevitter). Técnico: Gerardo Martino
CHILE (0): Bravo; Isla, Medel, Jara e Beausejour; Díaz, Vidal e Aránguiz; Fuenzalida (Puch), Vargas (Castillo) e Sánchez (Silva). Técnico: Juan Antonio Pizzi
Local: MetLife Stadium, East Rutherford (EUA); Data: domingo, 26/06/2016, 21h; Árbitro: Heber Roberto Lopes (BRA); Público: 82.026; Decisão por pênaltis: Argentina 2 (Mascherano e Agüero) x 4 Chile (Castillo, Aránguiz, Beausejour e Silva). Erraram Vidal (defendido), Messi (fora) e Biglia (defendido); Cartão amarelo: Mascherano, Messi, Kranevitter, Vidal, Aránguiz e Beausejour; Expulsão: Rojo e Díaz; Nota do jogo: 8; Melhor em campo: Mascherano

Fotos: Copa América Centenário.

Comentários

Vine disse…
Cheguei a sentir pena dos argentinos durante o jogo, começando a torcer por eles. Mesmo com a antipatia gerada pelas chegadas com travas no início da prorrogação, não tinha como preferir a Argentina, já que o Chile ganhou título igual ano passado.
Mas aí o Messi bate o pênalti do mesmo jeito que bateu aquela falta no último minuto na final da copa e o cara percebe que não ia dar...
Achei interessante a reação dele depois que errou a cobrança: ficou apático, meio que separado do resto do time, e chorou sozinho no banco depois que acabou. Me parece que ele se responsabiliza demais pela seleção, e isso explicaria a aposentaria.
Vicente Fonseca disse…
Sim, Vine, fiquei bastante impressionado com toda a reação dele, sempre isolado. Muito mais do que simbolizar qualquer tipo de antipatia dele em relação ao grupo (como pode se sugerir por aí), me pareceu também o desespero de alguém que precisa ser protagonista de conquistas pela seleção, e simplesmente ainda não conseguiu. Mas ainda acho que não se aposenta. Não ia largar a seleção em meio às eliminatórias. Pós 2018, aí sim, é outra história.