A demissão de Diego Aguirre é mais um "fato novo" que cheira a mofo no futebol brasileiro

Que o Internacional modernizou sua gestão de futebol antes que muitos dos principais clubes grandes brasileiros, todo mundo sabe. Os inúmeros títulos conquistados, especialmente entre 2006 e 2011, deixam isso bem claro. Mas numa coisa o Colorado segue igual aos demais: demite técnicos baseado na pressão, priorizando o calor do momento em detrimento a um planejamento de longo prazo. Em fevereiro de 2012, fizemos aqui um levantamento de que o Inter havia tido 20 treinadores neste milênio, contra 18 do Grêmio, que ganhou muito menos taças no período. Atualizando aquela conta, com a demissão de Aguirre o time rubro vai para o 25º técnico desde 2001, contra 22 do rival.

Talvez essa conta possa ser usada em favor de quem defende a cultura de troca de treinadores sucessivas. Se o Inter trocou mais vezes de comando que o Grêmio e ganhou mais títulos, logo trocar de técnico mais frequentemente seria positivo. Porém, é óbvio demais rebater isso lembrando que somente os treinadores que receberam respaldo da direção após tropeços é que obtiveram resultados melhores. Se Telê Santana fosse demitido após a derrota na final do Brasileiro de 1990 para o Corinthians, será que o São Paulo teria ganhado tudo o que ganhou entre 1991 e 1994, por exemplo? E Marcelo Oliveira, que perdeu traumaticamente o estadual e a Copa do Brasil para Atlético Mineiro e Flamengo em 2013, antes de ganhar dois Brasileiros com o Cruzeiro? Aqui no Brasil, porém, quase sempre largar bem e ganhar um título cedo é o mais importante. O imediatismo é a regra na nossa cultura, a qual obriga um treinador a ganhar e estar ganhando sempre, o que, sabemos, é praticamente impossível.

Diego Aguirre, todos sabíamos, estava com os dias contados após a perda da Libertadores. Afinal, ele jamais teve este respaldo. Foi sexta ou sétima opção na lista colorada e nunca contou verdadeiramente com a confiança e admiração do presidente Vitório Piffero, que teve na verdade é de engoli-lo a partir dos ótimos resultados que a equipe foi obtendo entre abril e maio. Era óbvio que, se perdesse a Libertadores, teria vida curta. Nem vou citar aqui o fato de ser estrangeiro e sofrer preconceito por isso: analisando sua trajetória de forma fria, ele foi tratado como qualquer outro técnico brasileiro. Perdeu, caiu. Ser uruguaio só diminuiu um pouco mais a paciência da direção e de parte preconceituosa de nossa crônica esportiva.

O clube de gestão de futebol mais moderna do Brasil neste começo de século ainda demite treinador para criar "fato novo", por medo de perder clássico. Um fato novo que, aliás, custa caro: há multa rescisória a ser paga e o próximo técnico certamente ganhará um salário maior (nada que um empréstimo recém-obtido não resolva, não é mesmo?). Os jogadores estariam insatisfeitos com o comandante, dizem alguns. O elenco estaria pouco motivado, argumentam os dirigentes. Ora, é óbvio que cair na competição mais importante da temporada, no grande objetivo de todos, gera uma depressão. Porém, quando o zagueiro Juan, um dos líderes do elenco colorado, vem a público elogiar Aguirre, lamentar a cultura de demissão de treinador que impera no futebol brasileiro e revelar que os salários dos jogadores estão atrasados, está claro que o problema que assola o grupo de atletas é outro, e passa pouco por Aguirre, mas sim por equívocos pelo modo obsoleto como o futebol no Beira-Rio está sendo conduzido há alguns anos.

Claro, o uruguaio cometeu seus erros, e a queda na Libertadores passa muito por ele também. Quando deveria ter dado continuidade à equipe titular para que ela não perdesse ritmo de jogo, insistiu em um sistema de rodízio que foi útil entre março e maio, mas que deveria ter sido deixado de lado naquele momento. Aguirre se viu preso a um modelo que lhe foi útil, mas mudou o que não devia: o esquema de jogo, importante naquela partida específica contra o Santa Fe, mas que minou o time mais adiante, com a alteração do posicionamento de peças fundamentais à equipe, como D'Alessandro, Nilmar e Lisandro López. No México, colocou Lisandro numa ponta, função que ele não sabe desempenhar. O sistema de jogo e o estilo agressivo da equipe exigiram demais fisicamente dos atletas, e isso causou sucessivas lesões em um momento crucial. Isso não foi azar, mas uma falha da preparação física, ou seja, de membros de sua comissão técnica.

O Inter poderia estar jogando mais? Claro que poderia. Poderia ter chegado melhor para o confronto com o Tigres? Sem dúvida, não só poderia como deveria. Mas teria chegado à semifinal da Libertadores se não fosse por Aguirre? Dificilmente. Porque foi muito graças a ele que o time tem hoje em William, Rodrigo Dourado e Valdívia, por exemplo, titulares importantes, verdadeiros cheques em branco para o clube. Sempre coloquei aqui que Aguirre era um homem corajoso: mesmo sem o respaldo adequado de quem o comandava, barrou medalhões contratados a peso de ouro para apostar em jovens da base, uma política responsável por alçar o Internacional a outros patamares, mas que é cada vez mais esquecida dentro do clube. O time que jogou em Monterrey sucumbiu, em boa parte, porque era jovem demais - embora os experientes tenham fracassado lá também. Mas dificilmente teria chegado até aquele jogo se tivesse disputado a Libertadores toda com Nilton, Anderson, Vitinho, Réver e Léo entre os titulares. Estes sim foram grandes decepções na competição principal da temporada. Todos foram trazidos pela direção.

Diego Aguirre cometeu seus erros, mas seus acertos nestes quase oito meses de Beira-Rio foram maiores. Talvez o Inter ganhe o Gre-Nal de domingo, talvez se recupere no Brasileiro, talvez vá longe na Copa do Brasil, e todos dirão que foi um acerto demiti-lo. Mas não se mede resultados no futebol por um prazo tão curto, tão imediato, a não ser em casos extremos, o que, como Juan deixou claro, não é o caso. Como futuro ninguém sabe, o que importa é o dia de hoje. E hoje Aguirre sai do Inter como mais um treinador que pagou pelos erros de avaliação e construção de projeto de quem o comandava.

Comentários

Sempre que falam dessa política de resultados imediatos de um técnico, lembro do Corinthians de 2011, com Ronaldo e Roberto Carlos em campo e um estreante Tite na casamata. Levou 2 do Tolima na Colômbia, caiu fora da Libertadores e todo mundo pediu a cabeça dele.

A direção manteve o treinador porque tinha confiança no trabalho. No mesmo ano, o clube levou o Brasileirão. No ano seguinte, levou uma Libertadores inédita e invicta, e ainda foi o único clube sul-americano a levar um Mundial nos últimos oito disputados.

Deveriam pegar esse exemplo e grudar na sala da presidência dos clubes daqui. Pra ver se a política muda.
Vine disse…
Nesse exemplo que tu deu, vale lembrar que, pela metade daquele brasileiro, o Corinthians andou muito instável, quase perdendo as chances de título. Andrés Sanchez bancou ele de novo. Deu no que deu...
Vicente Fonseca disse…
Muito bem lembrado, amigos. Muitos dos técnicos vitoriosos duram bastante tempo não porque foram vitoriosos sempre, desde o começo, mas porque foram bancados em momentos difíceis pra depois darem certo. Mas sei lá, parece que perder Gre-Nal ainda é mais importante que pensar num planejamento sólido de médio e longo prazo, né?