O Olímpico de cada um de nós

Alguém lembra do João Marcelo? Certamente, poucos de vocês se recordam. Só os que nasceram de 1986 para cá, e olhe lá. Os que nasceram antes de 1981 talvez lembrem dele com a cabeça de um corneteiro: zagueiro ruim, beque de fazenda, tosco, um dos responsáveis pelo rebaixamento do Grêmio em 1991. Pois saibam todos que este camisa 3, que jogou no Tricolor de 1989 a 1991, tem um lugar muito especial no meu coração de torcedor.

Lembro como se fosse hoje: meu grande amigo Chico e seu pai, Seu Cláudio, me convidaram para ir ver um jogo do Grêmio. Era minha primeira vez no Olímpico: dia 7 de julho de 1991, sete semanas depois daquela tragédia contra o Botafogo, no Caio Martins, a qual acompanhei com muita tristeza - foi meu primeiro sofrimento como torcedor na vida, como esquecer? Aquele 7 de julho era uma tarde ensolarada de inverno, jogo marcado para as 15:30 de um domingo, válido pela Copa Governador, um torneio preparatório para o Gauchão. Só eu lembro deste jogo. Nem João Marcelo lembra. Foi ele, aos 18 minutos do primeiro tempo, que abriu o placar: era uma falta um pouco antes da meia-lua, na goleira da Carlos Barbosa. Um chute rasteiro, não muito forte, mas a barreira atrapalhou o goleiro do Juventude e entrou. O primeiro gol dos 473 gols que comemorei no Olímpico. Lembro de tudo como se fosse ontem. É impossível esquecer.

Um gol marcado por um zagueiro no máximo médio, em uma falta cobrada de forma mais ou menos, e que ao mesmo é tão especial. O Olímpico é isso. Na infância, cada ida ao Olímpico era uma disputa de campeonato por si só. O Grêmio podia estar mal das pernas, sem chances, mas, se vencesse aquele jogo em que eu estava presente, eu havia sido campeão por aquela tarde. De certa forma, isso ainda ocorre até hoje. Tanto que saí comemorando muito a última vitória na Azenha, contra o São Paulo, como se fosse um título - até por saber que era minha última vez ali dentro. E o Grêmio, naquela mesma tarde, acabava de ver suas chances de título brasileiro acabarem, pois o Fluminense havia ganhado do Palmeiras em Presidente Prudente. Um paradoxo racionalmente insustentável.

O grande barato do Olímpico sempre foi o ritual, o de estar lá dentro. Em todas as 245 vezes que lá entrei, me impressionei com o seu tamanho, sua grandiosidade, com o fato de, ali dentro, um dia, César ter dado ao Grêmio uma Libertadores contra o Peñarol campeão do mundo. Estacionar o carro numa rua sem saída há duas quadras dali, cumprimentar o flanelinha, passar pela revista, ultrapassar a roleta, sentar no meu lugar. Sim, no meu lugar. São tantas as vezes que lá estive que já determinei o meu lugar. Agora, que o Olímpico está se despedindo, eu conto para vocês, já que não há riscos de você roubarem a ideia: entro pela Social, miro a linha central do campo e conto 13 lances de escada. Ali estou, com meu irmão Lourenço, quase sempre, desde 1991. Ir ao Olímpico é um ato coberto da mais pura irracionalidade de um torcedor, mas também tem lá suas ciências.

Lembro de cada jogo, e mesmo nos mais amargos guardo ao menos uma boa recordação. Na sofrida derrota para o Olímpia nos pênaltis em 2002, minha maior frustração como torcedor do Grêmio até hoje, lembro de comer um daqueles churrasquinhos de gato vendidos na saída do estádio. "O Grêmio perdeu, se me der um troço eu não tô nem aí", dizia, com a irresponsabilidade de quem tinha cabelos compridos aos 19 anos. Cinco anos depois, mais uma derrota por Libertadores, desta vez para o Boca. Chegamos cinco horas antes do jogo, uma verdadeira maratona, um absurdo. Mas Riquelme não estragou a noite, pois passei estas várias horas antes de a partida começar jogando animadas partidas de truco com os amigos Fred e Cristiano Muniz. Irrelevante? Para os rumos daquela Libertadores, pode ser. Para mim, não. Pois ir ao Olímpico não era simplesmente assistir a um jogo e sair feliz com uma vitória ou triste com uma derrota. Isso é só parte do ritual todo. A convivência, o estar lá, sempre foi o mais importante e o mais legal de tudo.

No Olímpico, vi o Grêmio ganhar Copa do Brasil, Gauchão, parte da Libertadores e semifinal do Brasileirão de 1996. Para os gremistas, lembranças gloriosas. Para mim, muito especiais, mas tanto quanto os quatro gols de Gílson Cabeção nos 7 a 0 sobre o Esportivo, em 1993, ou a vitória nos pênaltis sobre o Guaraní-PAR na Libertadores de 1997. Um golaço de Itaqui contra o América-MG, no fim de um jogo pela décima quarta rodada da primeira fase do Brasileirão de 1998 tem muito mais significado para mim do que os gols de Adílson na semifinal contra o Goiás, em 1996, por menos importante que seja na história do clube. Ou os 4 a 0 sobre o Caxias, em 2007, minha melhor noite do Olímpico em todos tempos, um jogo apenas de semifinal de Gauchão. Não me perguntem por que o descritério, eu não sei explicar, ou, se explicar, não fará sentido para nenhum de vocês. Ser torcedor é justamente não saber explicar porque um gol de João Marcelo numa tarde de julho na primeira fase da Copa Governador tem um significado tão especial quanto uma vitória épica sobre o São Paulo nas oitavas de final de uma Libertadores. Eis a grande magia de tudo.

Já me despedi do Olímpico. Por motivos profissionais, não poderei ir ao Gre-Nal de domingo. O fiz naquela virada espetacular sobre o São Paulo, dia 11 de novembro. Não quero adotar o tom melancólico que muitos gremistas têm adotado. Estou ciente de que a mudança para a Arena é necessária e fará muito bem ao clube. E por mais que doa ver um lugar de tanta história dar vez a uma série de prédios comerciais e residenciais frios e com nomes metidos a finos, uma coisa é certa: a história já está escrita, e nunca se apaga. O Olímpico pode ser demolido fisicamente, mas sempre estará vivo na cabeça de quem o frequentou. Lembrar com clareza daquele chute do João Marcelo é a comprovação disso.

Comentários

Lourenço disse…
Que belo texto! O meu primeiro jogo foi esse 7 a 0 contra o Esportivo com 4 gols do Gílson Cabeção. Tento não pensar muito na despedida do Olímpico.
Chico disse…
Emocionante.
Rodrigo disse…
Texto maravilhoso! Infelizmente, sou de uma cidade do interior e nunca fui ao Olimpíco ver o Grêmio jogar. Estive no estádio apenas uma vez, rapidamente, num dia em que não havia jogo. Não sei ao certo por que permiti que isso acontecesse, me arrependo bastante. Mas depois de ler textos como esse, de alguma forma, sinto como se também tivesse pisado naquelas arquibancadas centenas de vezes. Obrigado.
Lique disse…
um dos gols que mais lembro no olímpico foi um escanteio desviado de cabeça pelo domingos no finzinho de um jogo contra o náutico, no quadrangular final da série B. que explosão! que alegria! eu comecei a ir no estádio na série B, comecei por baixo. ;)

mas também não irei ao grenal, por não ter tido a oportunidade de comprar um ingresso.
Marcus disse…
Vicente!

Excelente texto. Sei bem o que está falando. Deste 1989, sigo essa rotina de ir a quase todos os jogos no Monumental!

Mudanças são sempre complicadas, causam receio. Mas com certeza será para o crescimento do nosso tricolor...

Abraço,

Marcus Staffen
Vicente Fonseca disse…
Obrigado pelos elogios, meus caros amigos.

Grande abraço a todos!