Se acabó la rabia

Triste fim de Policarpo Quaresma: torcedor paranista parece não acreditar no rebaixamento

*Zezinho Morais
Quando Heber Roberto Lopes trilou o apito pouco antes das 18h do Sábado de Aleluia, o Sol ainda raiava no horizonte distante iluminando a Vila Capanema. Entretanto, tudo parecia trevas e melancolia para os mais de 3,5 mil paranistas que viram, incrédulos, o Paraná empatar com o Arapongas em 2x2 e selar seu rebaixamento à Segunda Divisão do Campeonato Paranaense.

O capítulo mais triste do Tricolor da Vila teve seu ponto final após páginas de angústia, revolta e medo. Angústia pela iminência do descenso, revolta pelos sucessivos reveses e medo do que o futuro reserva. O clube, nascido da fusão entre os tradicionais Pinheiros e Colorado, tido como maior clube social do País, em 1989, heptacampeão estadual em menos de duas décadas, pode, em breve, fechar as portas do seu carro-chefe, o futebol.

A declaração não é de agora. Foi proferida pelo Presidente Aquilino Romani ainda em 2010, quando o Paraná tornou-se líder da Série B do Brasileirão. Tornou público um pensamento realizado em 2009, ano em que o Tricolor quase caiu à Série C e que viu seus jogadores fazerem greve em virtude dos vencimentos atrasados. O medo se estende também pelo silêncio de sua diretoria, que saiu calada do estádio após o jogo contra o Arapongas.

Aqui, levantaremos algumas questões que levaram o Paraná ao fundo do poço.

O fracasso dentro de campo: um time novo a cada Estadual
Acostumado a revelar muitos jogadores na década de 1990 – entre eles o pentacampeão mundial Ricardinho –, o Paraná, desde 2003, apostou numa fórmula perigosa. Com o apoio de empresários obscuros o clube passou a garimpar jogadores de clubes do interior paulista, formando times em cima da hora, sem pré-temporada, e com contratos curtos, até o final do Estadual. O objetivo era fazer um vestibular e, quem passasse pelo funil, se juntaria a jogadores prospectados em campeonatos estaduais Brasil a fora e formava uma equipe para disputar o Brasileirão.

Em seu primeiro ano, a fórmula já deu errado. O Tricolor se salvou do rebaixamento na última rodada, ao empatar em 1x1 com a Portuguesa Londrinense, no Pinheirão, em que o clube do Norte do Estado teve um gol erroneamente anulado. No ano seguinte, o sofrimento foi mais intenso. O Paraná foi obrigado a disputar – e a vencer – o Torneio da Morte para se salvar do descenso.

A situação melhorou em 2005 graças aos jogadores egressos da base tricolor. Jovens como Thiago Neves se juntaram aos veteranos Renaldo, Flávio e Axel e salvaram a honra tricolor com antecipação. A base usada no Brasileirão daquele ano foi preservada e melhorada para o Paranaense de 2006. Não à toa, o time quebrou um jejum de 9 anos e levantou o caneco. No Nacional, conseguiu a inédita classificação a Libertadores, e em 2007 chegou à final do Estadual mais uma vez – algo que não se via desde 2001 e 2002 –, mas acabou derrotado pelo Paranavaí.

O rebaixamento no Brasileirão daquele ano, apesar de ter o artilheiro da competição – Josiel, com 19 gols – destruiu a base formada em 2005. O surgimento de garotos como Giuliano e Éverton contribuiu para o adiamento do sofrimento que viria. O título estadual passou a ser uma ambição distante, mas o rebaixamento não era uma realidade. No entanto, em 2011 a fonte secou, o pior time da história tricolor foi formado, e o descenso, inevitável.

Com uma folha salarial dez vezes menor que a dos rivais Atlético e Coritiba, tendo como teto salarial R$ 5 mil mensais, o Paraná formou um verdadeiro “catadão” de jogadores desconhecidos, passou 10 rodadas sem vencer uma única partida, levou uma goleada humilhante de 5x1 do Atlético, ouviu os rivais cantarem ‘Ah, o Paraná vai acabar!’, teve três técnicos durante o prélio (Roberto Cavalo, Ageu (interino) e Ricardo Pinto), ensaiou uma sobrevida, mas tombou com uma rodada de antecedência, deixando incrédulos seus torcedores, que há quatro anos disputavam a fase mata-mata da Libertadores.

Sem base e refém do empresariado
Se é fato que os grandes clubes recorrem aos empresários na busca de reforços, também é fato que os mesmos procuram trabalhar com gente gabaritada. No Rio Grande do Sul, é comum a participação de Gilmar Veloz, Jorge Machado e Jorge Baidek em negociações. No eixo RJ-SP, Wagner Ribeiro e Carlos Leite são os mais famosos. Isso sem se falar nos grupos de investidores, como DIS, Traffic e Sendas.

Por sua vez, o Paraná não se aliou aos grandes empresários da bola. Seus negócios eram realizados com pequenos empresários, muitos deles desconhecidos. As ligações com empresários mais conhecidos eram, no mínimo, estranhas. Entre 2003 e 2004, os parceiros mais renomados eram o Grupo Schincariol e o apresentador Ratinho. Não raro os reforços paranistas eram provenientes do Ituano – clube da terra da cervejaria – casos do volante Pierre e do meia Caio.

Entre 2005 e 2009, a principal parceira do Paraná foi a LA Sports, do empresário Luiz Alberto de Oliveira. Ao contrário dos demais, a LA Sports deixava seus jogadores mais tempo no clube, possibilitando a formação de uma base que levou o Tricolor ao seu período mais glorioso na década. Contudo, o rebaixamento paranista, em 2007, e seu insucesso em voltar à elite nacional afastou a empresa do clube. Vários de seus jogadores acabaram no Avaí e, posteriormente, no rival Coritiba, vitrinas mais chamativas do que a do Paraná.

As categorias de base do clube foram terceirizadas e uma empresa foi criada para gerir o futebol amador, a BASE, numa associação entre empresariado, fundos de investimentos e o clube. Ao Tricolor, no entanto, cabia a menor fatia do bolo resultante de cada venda. Assim, jogadores que recém apareciam no time profissional, e com potencial de venda, forçavam sua saída, e a parcela do Paraná era vendida a preço de banana. Assim aconteceu com Giuliano, Éverton, Eltinho, Jeffe e Kelvin. O clube sequer pode pagar suas dívidas com o dinheiro das transferências.

Dívidas trabalhistas
A gestão de Aurival Correia, no biênio 2008-2009, se fez notar pela quitação de dívidas trabalhistas. No final do primeiro ano de sua gestão, o ex-presidente confidenciou à Gazeta do Povo que o clube administrava cerca de 90 ações trabalhistas na justiça.

Um dos casos mais emblemáticos é do meia Hadson. Contratado em 2003, o meia compôs o elenco que disputou o Paranaense daquele ano, tendo um salário de R$ 350 mensais na carteira, mais R$ 1mil mensais por direito de imagem. Sem entrar em campo, foi dispensado ao fim do Estadual, mesmo tendo vínculo até o fim do ano. Ao ingressar na justiça, teve ganho de causa e o clube foi condenado a pagar inverossímil R$ 1,8 milhão ao jogador.

Outro caso se refere à venda de Josiel. O atacante foi negociado por US$ 2,5 milhões ao Al-Wahda (EAU), mas somente 40% (cerca de R$ 1 milhão) desse valor entrou nos cofres do clube. Entrou, mas logo saiu. R$ 854 mil provenientes da venda serviram para pagar uma dívida com o ex-atacante Ilan, contraída quando da venda do atleta, em 1999.

Sem participar do Clube dos 13 e sem a cota de TV polpuda dos tempos de Série A, Correia se viu obrigado a pagar dívidas e montar equipes com pouquíssimo dinheiro em caixa. Por três anos, o clube se sustentou. Mas com resultados escassos, os empresários de outrora sumiram, tal como a qualidade do futebol dentro de campo.
Aurival Correia se viu com a responsabilidade de sanear as finanças do clube, mesmo sem dinheiro

Entre pinheiros, blancos y colorados
Quando se deu a fusão entre Pinheiros e Colorado, dizia-se que os azuis entravam com dinheiro, e os bocas-negras, com a torcida. O antigo clube Pinheiros se diferenciava de outros clubes sociais de Curitiba por permitir a associação de várias pessoas de classe-média. Na década de 1980, o time de futebol do Pinheiros foi tricampeão estadual, pagando salários da ordem de CR$ 20 mil mensais (em valores corrigidos, R$ 5 mil) e polpudos prêmios. A torcida pouco numerosa, “que cabia numa Kombi”, fez com que o time mandasse seus jogos na Vila Olímpica do Boqueirão, na Zona Sul da cidade, região populosa e popular.
Pinheiros Campeão Paranaense de 1987: (em pé) Toinho, Eduardo, André, Heraldo, Robson e Newmar; (agachados) Sérgio Luiz, Serginho Cabeção, Madureira, Jeferson e Tadeu.

Por sua vez, o Colorado herdava a história – e a torcida – do Ferroviário, além da Vila Capanema, na região central da cidade. Com menos recursos financeiros que o Pinheiros, o Colorado conquistou apenas um Estadual, em 1980 – dividido com o Cascavel, em decisão polêmica. Assim, a fusão entre os pequenos da Capital, aliando dinheiro e torcida, parecia a saída ideal para ambos.

A primeira década de existência foi gloriosa ao novato Paraná Clube, formando times fortes e aproveitando o vácuo deixado pela decadência de Atlético e Coritiba. O preço de tantas conquistas passou a ser questionado pelos rivais, envolvidos numa penúria financeira. Dizia-se que parte do patrimônio do clube, herdado dos tempos de Pinheiros, estava sendo utilizado para financiar o futebol do Paraná. Um terreno pertencente ao Paraná foi vendido ao hipermercado BIG, na Avenida das Torres, e o destino do seu dinheiro até hoje é desconhecido.

Essa tese nunca foi levada a público, mas desde a saída dos endinheirados empresários ligados ao Pinheiros – caso de Aramis Tissot (primeiro presidente do clube) e Ocimar Bolicenho (presidente responsável pela contratação de Vanderlei Luxemburgo, em 1995) – a fonte secou, sobretudo após o pentacampeonato de 1997, conquistado na gestão do boca-negra Ernani Buchmann. A partir de então, o Paraná entrou no seu período de vacas magras. À boca pequena, os torcedores colocam essa derrocada no amadorismo dos diretores do Colorado, em contraste ao tom empresarial dos diretores do Pinheiros.

A gestão do Professor José Carlos de Miranda, entre 2004 e 2007, longe dessa guerra não-declarada de egos, possibilitou o re-erguimento do clube, contudo seu impeachment no final de 2007, acusado de lavagem de dinheiro na venda de jogadores, jogou o clube novamente nas cordas.

Em 2010, a volta de Aramis Tissot e Renato Trombini aos bastidores paranistas parecia dar um alento financeiro ao Tricolor da Vila. Contudo, após um ano, esses senhores, assim como tantos outros, sumiram, e o resultado é uma diretoria, comandado pelo presidente Aquilino Romani e o diretor de futebol Paulo César Silva, incapaz de dar qualquer declaração à imprensa após o rebaixamento do clube.
Na gestão Miranda, após longo exílio no Pinheirão, o clube concluiu e voltou à Vila Capanema. Contudo, o público e os títulos, não

As fotos são do Paraná Online, Gazeta do Povo, Globo Esporte e Divulgação, respectivamente.

* Colaborador especial, direto de Curitiba.

Comentários

Advogado Novato disse…
Belo post.

Sou torcedor gremista, e ouvi de um ex-presidente, Sr. Flávio Obino, responsável pelo rebaixamento do Grêmio em 2004, a mesma idéia de terceirizar categorias de base.

É uma pena ver o Paraná Clube nessa situação. Apesar da pouca tradição, sempre dava trabalho para as equipes mais tradicionais no Brasileiro. Espero que a recuperação não tarde.
Zezinho disse…
Ideologicamente, eu sou contra a terceirização das categorias de base.

É como um país que terceiriza ou privatiza a exploração de seus recursos minerais. Dá de mão beijada aquilo que é seu por natureza. As categorias de base de um clube são muito sagradas para ficar na mão de terceiro$.

O Atlético teve, por anos, parceria com o PSTC, de Londrina, clube amador e formador de jogadores. Dagoberto, Kléberson, Jádson e Fernandinho são provenientes do PSTC. Era uma parceria em que os jogadores eram comprados pelo Atlético um pouco antes de se tornarem profissionais. Então, quando vendidos, uma percentagem ia ao PSTC. As maiores 'joias' provinham do PSTC, mas o CAP sempre manteve seu futebol amador.

Em 2008, quando Marcos Malucelli derrubou, via eleição, o reinado do Mário Celso Petraglia - lá desde 1995 -, essa parceria com o PSTC acabou, assim como a parceria com o CAPA, um clube de Araucária com a mesma finalidade do PSTC. Havia grandes indícios de lavagem de dinheiro.

O Coxa construiu o CT da Graciosa com investimento de seus conselheiros (conheço pessoalmente alguns deles, inclusive). Mas sofreu demais com o aliciamento do empresariado. Se é verdade que vendeu bem jogadores como Adriano, Rafinha e Miranda, viu as saídas meio obscuras de Henrique e Keirrison, que após passarem 4 meses no Palmeiras, foram pro Barcelona. Além deles, Marlos (pro São Paulo), Rodrigo Mancha (pro Santos) e Ariel Nahuelpan (pro Racing Santander), tal como Ronaldinho/Grêmio, foram aliciados e saíram por preço zero do Coxa.

O Paraná achou que construir seu próprio CT - o Ninho da Gralha, em Quatro Barras (Grande Curitiba) - iria propiciar sua independência. Contudo, fez isso quando tinha pouco dinheiro e loteou sua base. Os empresários, sabendo que o Paraná tem dívidas a serem pagas a curto prazo, forçam o clube a vender sua parte por preços irrisórios
Lourenço disse…
Belíssimo relato sobre a situação do Paraná, gostei muito.