Enterrem meu coração na curva do rio

Michel, em disputa contra o São José: acima do peso, atacante não justificou em campo o alto salário (Foto: Marcelo Campos /MC10)

José Eduardo Morais


As eliminações precoces do Novo Hamburgo nos dois turnos do Campeonato Gaúcho de 2011, justamente no ano de seu centenário, suscitou diversos questionamentos por parte dos adeptos dos demais clubes do certame, tal como da crônica esportivo. O Anilado, que prometera brigar pelo título, despediu-se melancolicamente do estadual ao empatar com o Lajeandense, em casa, enquanto que uma vitória simples o colocava no mata-mata.

Como explicar que a folha salarial mais cara do Interior gaúcho (cerca de R$ 250 mil mensais) não deu resultados? Como explicar os 9 empates em 15 jogos? Como explicar o segundo pior ataque da competição, à frente somente do Porto Alegre? Tentaremos aqui dissecar algumas das razões que colaboraram para o fracasso do Nóia em pleno seu centenário.

Montagem do grupo: autonomia demasiada a Gilmar Iser
Entregar a tarefa de montagem de elenco exclusivamente ao treinador não é das melhores recomendações. No mundo do futebol são inúmeros os exemplos de técnicos que carregam com si vários de seus jogadores de confiança, que assim que não correspondem, mas continuam com cadeira cativa no time, são adjetivados de “bruxo”.

Gilmar Iser não fugiu à regra. Após a eliminação do Nóia nas quartas-de-final da Copa RS de 2010, concentrou-se em construir a equipe responsável por dar ao Anilado o título estadual no ano seguinte. Com dinheiro em mãos, Iser buscou seus jogadores de confiança, espalhados pelo Brasil afora, frutos de trabalhos anteriores do treinador. No entanto, a qualidade ficou em segundo plano.

Com seu aval, chegaram os não mais que medíocres goleiro Aranha, os zagueiros Vinícius, Fernando e Lino, os volantes Almeida e Russo, o meia Luis Carlos Bahia e o atacante André Luís. À exceção de Lino e Russo, todos os demais não passaram de meros coadjuvantes.

Pré-temporada mal planejada
O Novo Hamburgo reiniciou suas atividades em 5 de Dezembro, utilizando a academia do Estádio do Vale e o campo da Amapá (fábrica de borracha) para treinos. Com o elenco incompleto e vários jogadores se recuperando de lesões – casos de Rodrigo Mendes, Preto e Michel –, o Nóia subiu à Serra com apenas duas semanas de treinos e levou 3x0 do Juventude. No dia seguinte, novo amistoso e nova derrota pelo mesmo placar, diante do Nacional (AM), em Alvorada.

Na virada do ano, o primeiro resultado positivo: vitória por 2x1 diante do Lajeadense, em Dois Irmãos. Então, o Nóia partiu para um período de dez dias de treinamentos em Gramado, num luxo que só parecia cabível aos grandes clubes do estado. Mesmo com toda infra-estrutura possível, nova derrota em amistoso: 3x2 para o São Luiz, de Ijuí. O time do Vale dos Sinos encerrava sua preparação com 25% de aproveitamento, uma série de quatro amistosos contra times fortes e sem a possibilidade de estudar outras formações táticas.

Os demais clubes do Gauchão procuraram, durante a pré-temporada, iniciar seus trabalhos em jogos-treinos ou amistosos contra clubes amadores. Os famosos sparrings, onde é possível aquecer as turbinas do grupo, trabalhas alternativas de jogo e conquistar a confiança para enfrentamentos maiores. O Novo Hamburgo, em nenhum momento, se utilizou dessa lógica, o que quase causou a demissão de Gilmar Iser ainda na pré-temporada, segundo declarações posteriores dos dirigentes anilados.

Além disso, antes da estréia no estadual, o meia Preto foi negociado com o Atlético (GO) e nenhum substituto foi contratado. A armação do time ficaria a cargo do veterano Rodrigo Mendes, de conhecidas limitações físicas, assim como o atacante do time, formado pelos também veteranos Michel e Papa e sem peças de reposição.

Onde está a convicção?
Como bem escreveu Fred Martins, aqui no Carta na Manga, a volta de Gilmar Iser ao comando técnico do Nóia é uma das poucas certezas do Gauchão. O comandante anilado voltou na reta final da primeira fase da Copa RS, ainda em 2010. Na estréia, vitória diante do Atlético, em Carazinho: 5x1. No jogo seguinte, nova goleada: 7x1 diante do Cerâmica, em casa.

No mata-mata, duas novas goleadas: 4x1 e 4x0 no Grêmio. O confronto das quartas-de-final, contra o Pelotas, parecia ser a final antecipada da competição. Após o bom empate em 2x2, na Boca do Lobo, o Anilado foi derrotado em casa pelo áureo-cerúleo pelo placar mínimo. O bom toque de bola na meia-cancha, característico das equipes de Iser, permanecia, mas o ataque já dava sinais de inconstância diante do primeiro obstáculo. Michel e Juba atuavam longe demais um do outro, além do preparado físico lamentável do antigo bruxo de Abel Braga.

Com o planejamento mantido para o centenário, Iser parecia o homem ideal para se manter à frente da nau anilada. Após a estréia com vitória no Gauchão, 1x0 diante do Porto Alegre, derrota para o Veranópolis por 2x1, em casa. Já na segundo rodada, Gilmar Iser era demitido. Caberia então a Julinho Camargo a missão de levar o caneco maragato à Capital Nacional do Calçado.

Ataque ganha jogos. Defesa ganha campeonatos. Resultado? Empates
Em 2010, o Novo Hamburgo marcou 30 gols 19 partidas. A boa marca se deveu à diagramação tática do 3-5-2 de Gilmar Iser, com o time marcando sob pressão, avançando seu meio-campo para intermediária ofensiva, com triangulações e ultrapassagens rápidas. Os zagueiros eram responsáveis pela coberturas dos alas. Quando o Anilado assumia uma postura mais defensiva, Chicão entrava no lugar de Edimar, que se deslocava para o lugar de Rodrigo Mendes, como meia recuado. No segundo turno, Maiquel substituiu Rodrigo Mendes, sendo uma espécie de ponteiro-direito. Juba e Michel, além de Kempes, eram alternativas e não soluções prioritárias.

3-5-2 de Gilmar Iser, em 2010: média de 1,58 gol por partida

Após a demissão de Iser, Julinho Camargo montou o Nóia num 4-4-2 muito compacto na defesa e na meia-cancha, mas com pouca dinamicidade no ataque. Um dos principais pecados de Julinho foi a repetição excessiva do time titular, sem variação tática ou técnica. Nem a desculpa de falta de tempo pode ser usada: entre o fim do primeiro turno e o início do segundo correu um mês sem jogos. E o time seguiu com baixíssima produção ofensiva, marcando apenas 13 gols em 15 jogos. As alternativas de 2010 viraram soluções em 2011, com Juba vez ou outra aparecendo entre os titulares.

4-4-2 de Julinho Camargo, em 2011: média de 0,87 gol por partida

Carteiraço
Atletas atuando com base no nome e em seus vencimentos não é novidade do futebol. O problema se agrava quando apenas atletas assim compõem o sistema mais deficitário do time, o ataque.

Quem viu as atuações de Gustavo Papa e Michel, esse ano, não entende como os ex-colorados se mantiveram tanto tempo no time titular. O centroavante mostrou a qualidade técnica de um atleta amador de Morro Reuter ao errar todos os domínios possíveis, além de desperdiçar um pênalti aos 48 minutos do segundo tempo contra o Inter, de Santa Maria, estando o goleiro Fábio sem condições físicas. E Michel, preso na ponta-direita, exibiu durante o campeonato um físico de dar inveja a qualquer peladeiro em um pós-churrasco em Sapiranga, errando todos os cruzamentos em todos os jogos.

O esforçado Juba levou um turno inteiro até conquistar a titularidade, ao passo que André Luís sequer isso conseguiu. Contudo, os cerca de R$ 20 mil mensais embolsados por Papa e Michel impediram que o Nóia tivesse mais opções válidas no plantel, relegando seu jogo a jogadores medíocres escolhidos por seu antigo treinador ou por atletas escalados por seus cartazes.

E o futuro?
To the God it belongs, responderia um gaiato anglo-saxão. O Nóia ainda alimenta a esperança de participação na Série D desse ano, caso as desistências de Cerâmica, Sapucaiense e Pelotas quanto à vaga destinada pela Copa RS de 2010 se confirmem.

O presidente Carlos Duarte, responsável pela revolução do clube no marketing e na comunicação social, com a contratação ao assessor de imprensa Haroldo Santos, tem planos de investir mais de R$ 1 milhão nas categorias de base. O time juvenil do anilado participou da Punta Cup, no Uruguay, e disputará a Copa FGF - sub 17, equivalente ao estadual da categoria. Os juniores, por sua vez, disputam o estadual da categoria – estão no Grupo 1, ao lado de Juventude, Porto Alegre, Igrejinha e Atlético Osoriense – e disputarão a Taça BH. A expectativa é de abastecer o plantel principal com jogadores formados em casa.

Para a Copa RS do corrente ano e o Gauchão de 2012, fica a lição de não deixar tão a cargo do treinador a formação do plantel, planejar melhor a pré-temporada e investir corretamente nas contratações, sem pensar tanto na suposta grife do produto.

Comentários

Vicente Fonseca disse…
Grande contribuição, Zezinho.

O André Luís é aquele do Grêmio/2008?
Lourenço disse…
O André Luís do Grêmio é destaque no Carioca, jogando no Boavista.
Zezinho disse…
E faz companhia ao glorioso JOÍLSON, depois da frustrada tentativa de contratação VIERI.

Esse André Luís veio de um time do Nordeste; se não me engano, do RN.

***
Estou pensando em assistir aos próximos dois jogos do Paraná em sua luta contra o rebaixamento e mandar um material pro Impedimento. Se o Professor quiser, envio-te alguma coisa também =]
Igor Natusch disse…
Ótima análise, de fato. Muito sonho, muito investimento, pouco foco: eis a fórmula para um triste fracasso.

Enquanto isso, ainda tento digerir a ideia de uma TERCEIRONA GAÚCHA. Maior ABORTO DA NATUREZA não consigo sequer conceber.
Prestes disse…
Belo texto, muita informação!
Vicente Fonseca disse…
Zezinho, quero e retruco!