Vida longa a César

Agradecimentos muito especiais a André Kruse, que forneceu o material utilizado na confecção deste artigo.


César Martins de Oliveira não sabia que tinha morrido até a noite do dia 05 de abril de 1995, uma quarta-feira. Havia passado todo o dia envolvido com assuntos pessoais em Belém do Pará, alheio ao fato de que estava sendo enterrado, horas antes, em Caxias do Sul. Depois de um dia agitado, descansava e preparava as malas para voltar para sua casa, em São João da Barra (RJ), enquanto cerca de mil e quinhentos torcedores gritavam em coro seu nome, enchendo de comoção o minuto de silêncio feito em sua homenagem no Estádio Olímpico. Depois de jantar, o finado César atendeu pessoalmente ao telefonema de um de seus três filhos. Na ligação, o preocupado jovem informou ao pai que o telefone de casa não parava de receber ligações de pêsames, vindas de todos os cantos do Rio Grande do Sul e do Brasil. Só então, avisado pelo próprio filho, César veio a descobrir que estava morto.


Sua morte havia sido noticiada com destaque, horas antes, por todos os grandes veículos de comunicação do Rio Grande do Sul. Tudo começou com uma ligação, feita por um conhecido de César no começo da tarde. Em contato com a produção da Rádio Gaúcha, avisou que o autor do gol do primeiro título continental do Grêmio tinha morrido na segunda-feira, vítima de cirrose hepática, e que seu enterro se daria durante a tarde, em Caxias do Sul. Wianey Carlet, durante o programa “Sala de Redação”, divulgou em primeira mão a trágica notícia. Outros veículos trataram imediatamente de reproduzir a desagradável informação, e logo o Estado inteiro lamentava a inesperada morte do centroavante.


Foi uma noite triste, aquela quarta-feira de futebol no Estádio Olímpico. Não bastasse o drama pessoal do volante Dinho, cujo irmão Geovani tinha sido assassinado no fim de semana, ainda caía sobre o Grêmio o luto pelo herói da Libertadores. Terezinha Morango, torcedora folclórica do clube, chorava de emoção, carregando consigo uma camiseta presenteada a ela pelo falecido jogador. O minuto de silêncio, destinado originalmente à memória do jornalista Adail Borges Fortes da Silva, foi imediatamente reconhecido como uma justa homenagem ao inesquecível artilheiro. E da boca de todos os presentes surgiu, espontâneo e comovido, o coro simples e emocionante: “César! César!”


O Grêmio acabou vencendo a partida, válida pelo Gauchão daquele ano. Atropelou o seu xará Santanense, aplicando um impiedoso e resoluto 7 a 0. Durante o jogo, o devastado Dinho deu show de coragem e profissionalismo, atuando com muita determinação e inclusive fazendo um dos gols, de pênalti. Ao comemorar, ajoelhou-se e fez o sinal da cruz, em um gesto aplaudido de pé por todo o estádio. Mas, mesmo com o dilatado placar, a alegria não foi plena, a comemoração não foi sorridente, a noite não foi de festa ou de alegria. Porque tinha morrido César, porque um dos grandes nomes da história tricolor havia partido. Uma quarta-feira para esquecer, mesmo que vitoriosa.


Apenas na manhã de quinta-feira, depois de todos os jornais terem ido para as bancas e de o verdadeiro e muito vivo César ter sido comunicado por familiares da própria morte, que o equívoco se desfez. O falecido César chamava-se João Chedid, tinha 43 anos e supostamente havia jogado nas categorias de base do Grêmio. Por ter feições semelhantes às do centroavante, recebeu o nome do herói gremista como apelido. Gremista de coração, gostava da lembrança e nunca se incomodou com a brincadeira. E durante anos João Chedid foi César, até falecer na segunda-feira, 03 de abril de 1995, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Para alguns conhecidos, aparentemente, a brincadeira era mais séria do que se imaginava. E um deles, talvez chocado pelo descaso da imprensa, ligou para a Rádio Gaúcha, informando a morte do antigo artilheiro. Gerando não só uma onda de comoção, mas uma tremenda barriga jornalística. E uma noite bastante incômoda para a família do verdadeiro César, atendendo madrugada adentro telefonemas referentes ao falecimento.


Mas, como dizem por aí, há males que vêm para bem. Vivo, César experimentava o lento esquecimento em sua cidade natal, sem o carinho dos torcedores que alegrou e sem as homenagens que merecia e deveria receber. Morto, teve seu nome cantado em coro no Olímpico, foi lembrado, chorado e exaltado. Na morte voltou, ainda que brevemente, para a mente e coração de milhões de gremistas. Teve a chance de perceber, ainda vivo, que o amavam, que se lembravam dele e que sentiam muito pela sua ausência, mesmo que não tão definitiva assim. Na contracapa da Zero Hora da sexta-feira seguinte, 07 de abril de 1995, teve a oportunidade de ler a curta e marcante manchete: “César Vive”. E saber que era verdade. Em mais de um sentido. César, mesmo morto, nunca morreu. Vida longa a César.

Foto: César, cheio de vida, entrando para a eternidade (Blogremistas FBPA)

Comentários

André Kruse disse…
Wianey sempre checando as informações que recebe.

Todo o "episódio" é surreal.
Vicente Fonseca disse…
De todo o material que o André gentilmente nos disponibilizou, o mais engraçado é o do repórter admitindo a "barriga", com o título "César Vive".

Episódio de fato surreal.
luís felipe disse…
que história sensacional!

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em tempo: o Adail Borges Fortes, gremista histórico, é considerado um dos inventores do termo "imprensa vermelha". Na sua época de editorialista-mor do Correio do Povo, anos 70, se revoltava com a cobertura festiva dada ao Internacional - que era aquele grande time que todos sabem.

Assinava, então, a coluna do "gremista vigilante", com o pseudônimo de "Dom Luís".
luís felipe disse…
ainda: o "gremista vigilante" - que era o "Dom Luís" e só falava de como a imprensa era colorada - recebeu um contraponto na Folha da Tarde e depois na Zero Hora, o "colorado delirante", de Sérgio Jockymann. Sérgio era muito corneteiro, e usava o personagem para debochar dos colorados otimistas/oficialistas - especialmente Kenny Braga.
Vicente Fonseca disse…
Olha aí mais uma sugestão de pauta!
natusch disse…
Anotada, inclusive =P

P.S.: alguém aí quer tomar um chá de FUMSHO? (VdeP wins)
Joel disse…
Pois essas histórias são muito engraçadas. Como o pessoal aí tem mais acesso aos arquivos e relatos de dirigentes e outras pessoas presentes há mais tempo na história do clube, sugiro contarem a história da sacanagem que Éder fez com o sapato de Telê Santana. Podem ser dadas boas risadas, garanto.