O trauma superado

Camarões impôs grande resistência, e o Brasil teve sérias dificuldades para superá-las. A vitória que classificou a equipe de Dunga às semifinais dos Jogos Olímpicos foi a de um time com algumas virtudes importantes que se repetem, e muitos problemas, especialmente nas ações ofensivas. Mas todos foram enfim superados, dentro das circunstâncias de um jogo eliminatório. E a classificação, o mais importante, veio.

Jogando em duas linhas paralelas de quatro homens, Camarões iniciou marcando forte a saída de bola brasileira. Tão forte que ultrapassava o limite entre virilidade e violência. Gravatas e pisões foram vistos mais de uma vez. O Brasil pareceu um tanto intimidado no começo. Em vez de tocar a bola com agudeza na frente, tentou jogar na imposição física contra um adversário mais forte neste aspecto. E isso trouxe grandes dificuldades no primeiro tempo.

Com a bola, Camarões pouco incomodava. Não deixava o Brasil jogar, mas também não ameaçava. Era um jogo de xadrez complicadíssimo. Rafael Sobis se viu completamente isolado, não sendo acionado uma única vez em possibilidade de conclusão. Faltou ligação, como já faltara contra a China. Ronaldinho só enfeitava, Anderson se esforçava mas era ineficaz e Diego estava completamente sumido. Vida dura para o único atacante, que precisava de um companheiro na frente. Talvez se Pato ou Jô, um dos dois, tivesse entrado no intervalo, o sofrimento não fosse tanto.

A etapa complementar foi constrangedora. Com 1 jogador a menos desde os 6 minutos, Camarões perdia o contra-golpe. Retrancou-se com a clara estratégia de levar a disputa à prorrogação. Saiu Hernanes, entrou Thiago Neves, mas Sobis continuava sozinho. Sem saídas pelas laterais, afunilando sempre, a seleção conseguiu perder até o apoio dos chineses, tantos eram os passes errados. O fantasma da prorrogação voltava. Em 7 disputas deste tipo em Olimpíadas, o Brasil só havia vencido uma, em 1984, contra a Itália.

A atuação brasileira seguia tangenciando o irritante, com muita posse de bola e pouca objetividade. Até que, vejam só, num contra-ataque (!), Diego deixou Rafael Sobis na cara do golo pela primeira vez em 100 minutos de futebol. Nesta primeira chance que teve de concluir, o ex-colorado não perdoou. Camarões se atirou na frente em desespero e, 3 minutos depois, Ronaldinho encostou, Thiago Neves deixou Marcelo na frente do goleiro com um toque de grande categoria, e o ex-lateral do Fluminense definiu com estilo. O golaço da classificação.

No começo do texto, falei em virtudes repetidas. A principal delas é a segurança defensiva. Camarões é uma seleção de nível razoável, e não chegou a criar perigo contra o golo do seguro Renan. Lucas teve ótima atuação à frente da zaga, brecando a absoluta maioria dos avanços dos meias adversários. Os zagueiros Alex Silva e Breno contam com um entrosamento que vem desde os tempos de São Paulo. Para dar uma noção mais clara de tudo isso, basta lembrar que oa equipe ainda não sofreu golos nos 390 minutos que jogou em Pequim. E nunca esteve perto de sofrer um.

Thiago Neves, novamente, entrou bem. Tem lugar neste time. Vem jogando mais que qualquer outro meia. É só escolher um para sair. Anderson, neste momento, é o que vem jogando menos. Diego chegou a lembrar o cai-cai de outros tempos, mas deu uma bela assistência e é muito esforçado. Ronaldinho também poderia sair, mas é difícil que Dunga o tire do time. É o capitão, é bom em bolas paradas, é o grande nome brasileiro. Uma virtude também repetida hoje é a paciência desta equipe em tocar a bola para achar espaços. Ficando bastante com a posse, o Brasil reprisa 1994, quando Parreira já valorizava este aspecto, que impede o adversário de jogar. Falta objetividade ainda, mas a equipe raramente se afoba. Erra bastante o último passe, isso sim.

E mais um adversário é batido. Mesmo sem brilho, o Brasil supera um trauma, vê a Itália cair pelo caminho e chega às semifinais com o melhor ataque e a melhor defesa dos Jogos Olímpicos. Pegará agora Argentina ou Holanda, que se enfrentam em instantes. E, se vencer, no mínimo a prata já estará garantida.

Jogos Olímpicos 2008 - Quartas-de-final
16/agosto/2008
BRASIL 2 x CAMARÕES 0
Local: Estádio dos Trabalhadores, Shenyang (CHN)
Árbitro: Damir Skomina (EVN)´
Público: 41.043
Golos: Rafael Sobis 10 e Marcelo 13 do 1º da prorrogação
Cartão amarelo: Marcelo, Diego, Rafinha, Breno, Ramires, Banning, Bikey, Ghomsi, Bekamenga, N'Koulou, Ngal e Song
Expulsão: Banning 6 do 2º
BRASIL: Renan (6,5), Rafinha (5,5), Alex Silva (6), Breno (5,5) e Marcelo (6); Lucas (6,5), Hernanes (5,5) (Thiago Neves, 21 do 2º - 6), Anderson (4,5), Diego (6) (Ramires, 2 do 2º da prorrogação - sem nota) e Ronaldinho (5); Rafael Sobis (6) (Jô, 16 do 1º da prorrogação - 5,5). Treinador: Dunga (6)
CAMARÕES: Tingyemb (6,5), N'Koulou (5), Bikey (5), Song (6) e Ghomsi (5,5); Banning (3), Chedjou (5), Bekamenga (5,5) (Mboua, 42 do 2º - 6) e Mbia (5) (Olle, 16 do 1º - 5); Bebbe (5,5) e Songo'o (5) (Ngal, 30 do 2º - 4,5). Treinador: Martin Ndtoungou (5,5)

Foto: EFE

Comentários

Só eu acho que o Dunga nasceu com o traseiro virado pra maldita abóbada celeste, em direção ao lado negro da lua?
Lique disse…
bah, muita raiva das não-mudanças do dunga nesse jogo. que teimosia não meter o pato ali. rafinha, hernanes, anderson, diego, ninguem jogava nada e, consequentemente, o sobis tava morto no jogo.