Dois dribles, há 24 anos

Conforme prometido, faço aqui a análise da vitória do Grêmio por 2 a 1 sobre o Hamburgo, em homenagem aos 24 anos do título mundial obtido pelo tricolor, em 11 de dezembro de 1983.

Foi num misto de alta técnica e muita raça que o Grêmio chegou ao maior título de sua história. Aliando a gana que foi a marca do time na conquista da Taça Libertadores à qualidade individual de nomes como Mário Sérgio, Tarciso e Renato, o tricolor superou o Hamburgo e alcançou sua maior façanha.

Desfalcado de dois ou três nomes importantes na conquista européia e vivendo uma fase de instabilidade nos torneios que disputava, o time alemão conseguiu levar o jogo no equilíbrio com os gaúchos durante o primeiro tempo. O Grêmio estava tenso, apesar de alguns lampejos de lucidez. O lado direito, com Renato, era a chave do caminho. Pela esquerda, os dois Paulo César jogavam pouco e não davam trabalho. A zaga alemã, comandada pelo xerifão Hieronymus, fazia com extrema eficiência a linha de impedimento, deixando os tricolores quase 20 vezes em posição irregular na partida.

Mário Sérgio era o grande nome do jogo, sempre de cabeça erguida, com uma qualidade impressionante, e a experiência de 34 anos. Quando o jogo voltava a ficar equilibrado, Renato recebeu lançamento, driblou Hieronymus três vezes, e rematou. Stein podia ter pegado, mas não deu. O golaço abria o placar e o Hamburgo. O Grêmio passou a encontrar espaços que antes não tinha. Podia ter ampliado ainda no primeiro tempo.

Na segunda etapa, esperava-se uma pressão alemã, que não veio. O craque Felix Magath estava apagado, e isto tirava a capacidade de criação do Hamburgo, que dependia das arrancadas de Wuttke e das entradas verticais de Rolff. O tricolor dominou completamente as ações nos primeiros 20 minutos do segundo tempo, criando muitas chances e desperdiçando todas, normalmente por preciosismo. Renato ainda sofreu um pênalti, não marcado.

Valdir Espinosa tomou a correta providência de substituir o discreto Paulo César Caju para pôr o rápido concluidor Caio, que poderia puxar contra-ataques também pela esquerda. Nos primeiros 10 minutos em que esteve em campo, Caio teve quatro oportunidades não convertidas. O Grêmio pagaria caro por isso.

O Hamburgo atirou-se para cima. Bonamigo substituiu Osvaldo na tentativa de fechar ainda mais o meio-campo. O Grêmio não marcava mais a saída de bola. Preferiu segurar o resultado. China, Baidek e De León espanavam o que podiam. O zagueiro Jakobs virou centroavante devido a seu forte jogo aéreo. Numa dessas, Mazaropi praticou defesa fotográfica. O jogo ficou dramático.

Quando Renato sentiu cãibras e foi retirado, Bonamigo meteu a mão na bola. Magath levantou, Jakobs escorou e Schröder empatou. Eram 40 minutos do segundo tempo. Um castigo duríssimo para o Grêmio, que jogava melhor e sofria o empate. Para piorar tudo, China e Renato estavam visivelmente descontados. O título quase ganho virava sonho distante. Renato ainda perdeu chance claríssima no último lance do tempo regulamentar. Prorrogação em Tóquio.

A estratégia gremista foi correta. Valorizar a posse de bola e cadenciar a partida. Num ataque trabalhado por quase todo o time, Caio levantou, Renato driblou Schröder e fuzilou Stein de novo. Ele, descontado, marcava de novo. Desta vez, era em defintivo. Nada poderia tirar agora o título do Grêmio.

O primeiro tempo da prorrogação foi de resto equilibrado, apesar da maior iniciativa do Hamburgo. China e De León eram verdadeiros monstros. Quando Jakobs levou vantagem sobre eles, havia Mazaropi para salvar.

Os 15 minutos derradeiros foram absolutamente dramáticos. Já eram dois jogadores descontados, mais Mário Sérgio sem o fôlego de antes (apesar da habitual categoria). Tarciso, mesmo tendo passado dos 30, continuava a arrancar em velocidade, enlouquecendo os alemães com um preparo físico impressionante. O Hamburgo continuava com a sua única estratégia eficaz: levantava a bola para a área, na expectativa de que Baidek e De León perdessem para Jakobs e Hansen. Ganharam todas. No final, Mário Sérgio, Caio e Tarciso puxaram contra-ataque contra Stein e Hieronymus. A melhor chance da partida, 12 do segundo tempo, mas Caio chutou por cima.

Aos 15 minutos e 30 segundos, 02:34 da manhã de domingo, soou o apito final de Michel Vautrot. O instante que colocou o Grêmio na seleta galeria de clubes campeões mundiais de futebol.

Em tempo:
- O árbitro francês reverteu pelo menos 10 arremessos laterais durante a decisão.

- Paulo Sant'Anna, já torto, em chamas no banco de reservas.

- Galvão Bueno, sem dar palpites furados e chamando o comentarista Márcio Guedes a analisar, fez um bom trabalho.

Mundial Interclubes 1983 - Final
11/dezembro/1983
HAMBURGO 1 x GRÊMIO 2
Local: Nacional, Tóquio (JAP)
Árbitro: Michel Vautrot (FRA)
Público: 62.000
Golos: Renato 37 do 1º; Schröder 40 do 2º; Renato 3 do 1º da prorrogação
Cartão amarelo: Stein, Hartwig, Mazaropi, Renato e Caio
HAMBURGO: Stein (4,5), Wehmeyer (5), Jakobs (7,5), Hieronymus (5,5) e Schröder (6); Groh (6), Rolff (6), Hartwig (5,5) e Magath (5,5); Hansen (4,5) e Wuttke (5,5). Treinador: Ernst Happel (4,5)
GRÊMIO: Mazaropi (8), Paulo Roberto (6,5), Baidek (6,5), De León (7,5) e Paulo César Magalhães (4,5); China (7,5), Osvaldo (6) (Bonamigo, 33 do 2º - 5) e Mário Sérgio (8,5); Renato (9,5), Tarciso (8) e Paulo César Caju (4,5) (Caio, 25 do 2º - 6). Treinador: Valdir Espinosa (7,5)

Comentários

Anônimo disse…
Brilhante análise, professor. De fato, foi um confronto em que o Grêmio jogou melhor a maior parte do tempo e obteve a glória máxima com absoluta justiça. Para mim, Mário Sérgio merecia um 9,0 - como jogou! Só não foi melhor que Renato porque daí é querer demais do 'vesgo'.

Falando nisso, hoje descobri que existe uma versão OFICIAL do DVD do jogo - editada apenas no Japão. A narração, pasmem, é em português - mais precisamente, de Arminio Antônio Ranzolin - e tem o jogo completo, com prorrogação e levantamento de taça. Eu tenho a 'piratinha' com a narração do Galvão, mas já estou mexendo os pauzinhos e espero em breve ter uma cópia dessa versão também - e o que é meu, é de vocês ;D
Marcelo disse…
Puxa, parece que faz só 2 meses que vi o jogo... E o pior, parece que os amigos estavam todos lá. Bons tempos!
Anônimo disse…
Natusch, já te peço o providenciamento de Grêmio x Peñarol e de mais jogos históricos que possuíres. Entramos em contato e acertamos os valores a seguir.
Anônimo disse…
É "Armindo". Perdão pela gafe.

E pode deixar, Professor. O Natal está aí, mesmo... Mas o Grêmio x Peñarol tu tem que falar com o Fred, que tá me devendo há tempos ;D

No mais, ALLGAYER MESTRE.
Belíssima análise. Quatro pontos:

1) Zaga do Hamburgo quase perfeita na sua linha de impedimento. Renato teve cinco impedimentos marcados no primeiro tempo.
2) Ernst Happel comandou a seleção holandesa em 74 ou 78, não lembro agora ao certo. Mas era um técnico experiente e bastante rodado.
3) A jogada que resultou no segundo gol de Renato foi iniciada com uma roubada de bola do China, que estava MANCANDO em campo.
4) Sim, tenho o Grêmio x Peñarol jogado no Olímpico. Só marcarmos um dia e repasso pra vocês.

Abraços